Ascensão e queda<br>do «novo capitalismo»

Jorge Messias
Relativamente ao Governo PS/Sócrates é inteiramente correcto dizer-se que vai surgindo em Portugal um novo regime que se instala à sombra das grandes palavras vazias de sentido e da distorção dos valores da democracia, dos imperativos da Constituição, das verdades cívicas e do respeito pelas liberdades. Um novo regime igual, ponto por ponto, às políticas de Poder de outras eras mas não tão longínquas quanto se possa pensar...
Montam-se agora, tal como então aconteceu, os cenários indispensáveis ao enquadramento do grande retrocesso: pinta-se o descrédito das forças democráticas, o clima de terror descontrolado, activam-se cumplicidades ideológicas e promove-se o desprezo pelos mais pobres, pelos mais velhos e pelos mais fracos e a criação de espaços livres onde se gera a miséria, o desemprego, o obscurantismo e o crime. É neste ponto que nos encontramos: o Poder teoricamente democrático, gerado em actos eleitorais justos e livres, transforma-se no seu oposto e rasga avenidas por onde regressa tudo aquilo que os governantes afirmam continuar a combater sem concessões. Este processo de incubação reaccionário vai muito avançado e disfarça-se incomodamente nas pregas da falsa solidariedade e do respeito pela ordem. Oculta a injustiça social, insinua o desalento e infiltra a mórbida ideia de que «é inútil lutar».

Os ventos da História

Para os embusteiros políticos as coisas não vão de feição. Qualquer cidadão desconfia já do discurso mentiroso que disfarça a propaganda do grande capital. A realidade do país é o inverso daquilo que nos contam. Portugal não está mais rico nem a riqueza favorece o progresso. Para a esmagadora maioria da população, os níveis de vida são cada vez piores. Por muito que o governo o tente disfarçar, o desemprego caminha rapidamente para taxas nunca vistas. A corrupção, interna e externa, não conhece limites. Ter poder significa ter licença para roubar. Nenhum grande problema social do país – da saúde ao ensino ou da habitação à justa distribuição da riqueza – nada foi resolvido ou caminha no bom sentido. Com Sócrates e o seu grupo que se apoia na Banca, na Igreja e nas centrais do grande capital, nenhum dos graves problemas do país encontrou ou encontrará solução.
Progride agora entre as populações uma crescente consciência das desigualdades sociais, formada pouco a pouco na escola das duras dificuldades que defrontam. É necessário que este descontentamento profundo ganhe expressão nos próximos actos eleitorais. Porque continua a estar nas nossas mãos lutar, mudar e construir uma sociedade nova.
É preciso ficarmos permanentemente vigilantes na denúncia das mentiras que envolvem a intriga política. Um exemplo são os corredores do Poder. Será verdade que os falsos socialistas se não entendem com os falsos sociais-democratas? Ou não girarão eles em torno do projecto oculto da formação de um «Bloco Central», tão próximo das ditaduras que se transforma numa autêntica «tábua de salvação» para os que permanecem fiéis à regra de oiro da exploração do homem pelo homem? Ou ainda, no mesmo sentido do reforço do poder reaccionário (que parece tender a fugir por entre os dedos dos capitalistas) como não ver a «tempestade num copo de água» que terá sido o «veto» da lei do divórcio, como manobra de recurso destinada a repor, em silêncio, situações de desigualdade anteriores ao 25 de Abril? Clara linha de rumo logo confirmada pelo reconhecimento presidencial das novas «polícias do Estado»?
Daqui até às eleições legislativas algum tempo irá decorrer. Dias espessos, recheados de perigos e de armadilhas. E já se nota que a estratégia capitalista irá também decorrer em terrenos eclesiásticos. O «veto» ao divórcio – afirma-se nos jornais – travou uma reforma desejada por juristas católicos. Se assim foi, logo se verá... Logo em seguida, noutras paragens, o espectacular Alberto João Jardim (que projecta lançar um novo partido separatista) descobriu que a sua grande base doutrinal é a Igreja Católica. E o governo de Sócrates, por entre as ruínas de uma sociedade que ajudou a destruir, não cessa de beneficiar a igreja com somas fabulosas retiradas à Segurança Social e aos subsídios de desemprego. Tudo, segundo a regra central «é preciso mudar para que as coisas fiquem na mesma»!...
O povo português sabe agora com quem está a lidar. A expressão «crise do capitalismo» começa a ser insuficiente para descrever o que se passa na nossa pátria e no mundo. É o império a tentar impor os seus interesses. Nesse sentido tudo farão para evitar a derrocada final.
Mas os povos não se sujeitarão a novos jugos.
É, pois, urgente organizar, unir, esclarecer, lutar!... Sem perdas de tempo. O «castelo de cartas» da globalização pode ruir a cada instante. Os capitalistas conhecem os riscos da catástrofe e não têm alternativa que não seja o regresso à ditadura política do capital.


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